INIMIGOS INTERNOS
Chamam-se eles a rotina, o desleixo e a fuga.
Rotina, que é perder de vista por que fazemos as coisas. Desleixo, que é fazer mal o que fazemos as coisas. E a fuga, que é abandonar o que fazemos, virar as costas ao que devemos fazer.
Conta-se que o discípulo de um velho monge budista tibetano, depois de longos anos de aprendizagem, foi incumbido pelo seu mestre de procurar nos rios da China a pedra filosofal, ao contacto com o qual todos os metais se transformariam em outro.
Começou a sua tarefa com um entusiasmo enorme: cada calhau lhe parecia ser a pedra que buscava e, tomando-a com as mãos trêmulas de expectativa, esfregava-a na fivela metálica do cinto, esperando que esta se convertesse em ouro. Mas o tempo passava e o esperado não acontecia.
Pouco a pouco, o rapaz foi caindo na rotina. O gesto com que levava os seixos à fivela foi-se tornando maquinal, e, decorrido mais algum tempo, deixou até de olhar a fivela. Cumpria a sua tarefa como um autômato.
Passados dez anos, resolveu regressar e dizer ao mestre que tinha fracassado. Mas estava tão cansado e tão sujo que, horas antes de chegar, quis lavar-se num regato que corria à beira do caminho. E então, ao debruçar-se sobre a água e ver-se refletido nela, observou que a fivela, que antes fora de ferro negro, agora era toda de ouro... Qual teria sido a pedra que a transformara? Já não podia sabê-lo. Só sabia que a tivera nas mãos e a devolvera às águas.
Assim é a rotina: embota os gestos que realizamos e, com isso, esvazia-os de sentido e compromete a sua finalidade. Afinal, a vida de todos caminha dentro de um trilho mais ou menos estreito e repetitivo; há determinadas tarefas que temos de realizar todos os dias, e são elas que configuram praticamente as nossas responsabilidades ao longo da vida.
A rotina desfaz os melhores sonhos. A carreira profissional estaciona nas malhas de uma ‘burocracia’ estúpida. A vida conjugal, centrada nas satisfações materiais e nas comodidades de uma vida instalada, perde a eterna novidade do amor,...(Trecho do livro “Coisas Pequenas – J. Fonseca”)



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